A perda da sensibilidade

A perda da sensibilidade
Estava assessorando um grupo de solução de problemas responsável pelo redesenho de um processo de desenvolvimento de novos produtos em uma empresa do Centro-Oeste brasileiro, fabricante de componentes eletrônicos. O trabalho abrangia o marketing, a área comercial e o lançamento dos novos produtos.
O grupo alegava que o processo estava OK, que algumas “coisas pequenas” realmente precisariam ser alteradas, mas que eles trabalhavam muito e não haveria necessidade de grandes mudanças.
Então perguntei quem era o cliente deste processo. Responderam-me que era o Marketing. Aí eu disse que não, que eles estavam errados. O cliente do processo era o comercial. Concordaram, embora sem muita convicção. Então perguntei ao gerente nacional de vendas se ele estava satisfeito com o processo. Ele disse: “nem tanto, pois deveríamos lançar o novo produto X em agosto e não lançamos e nem será lançado neste ano”. Perguntei se isto estava no orçamento e ele disse que sim e que o não lançamento representaria uma receita a menos de cerca de 5 000 000 reais no ano de 2005!
Eu disse então para eles: “Gente, vocês perderam a sensibilidade. Prometer o lançamento de um produto, prometer 5000 mil de receita oriunda deste lançamento e não fazer nada é algo muito grave em uma empresa! Alguém deve ter contado com este dinheiro”. 
Eles ficaram em silêncio, primeiro me olhando e depois concordando.
Entenderam? As empresas cometem erros muito graves e, frequentemente, por não terem dirigentes com alto padrão de exigência, não percebem e tampouco explicam para seus gerentes como determinados erros são graves!
É como nós, no Brasil. De tanto vermos crianças pedindo esmolas nas ruas, andrajosas, enquanto deveriam estar em uma cama bem quentinha ou em uma sala de aula, perdemos a sensibilidade com a gravidade desta situação e isto não nos incomoda nem um pouco. 
A perda de sensibilidade vem da tolerância com os problemas, da falta de atitude daí decorrente e da falta de padrão dos dirigentes de uma empresa. 
Talvez esta última frase defina o perfil de um líder: intolerância com os problemas (mesmo com os pequenos, pois eles podem rapidamente tornar-se grandes), atitude para tomar todas as providências necessárias para resolver rapidamente os problemas e alto padrão de exigência.
Como se desenvolvem altos padrões de exigência nos dirigentes e nos gestores de nível médio das empresas? Com viagens, treinamentos e contatos com pessoas e com empresas superiores.
Muitas vezes, nem os proprietários das empresas percebem a gravidade dos erros cometidos pelas suas equipes.
Cada empresa, periodicamente, deveria refletir profundamente sobre seus erros e ouvir gente de fora com altos padrões de exigência. Erros graves e que diminuem brutalmente os lucros das organizações acontecem com mais frequência do que se imagina e a perda da sensibilidade faz com que altos dirigentes, proprietários e gerentes de nível médio não os vejam.
Presto consultoria em vários setores da economia brasileira e mundial. Na indústria, no varejo e na área de serviços. Vejo claramente padrões de exigência que são muito fortes em um setor ou em especial em uma empresa e são praticamente ignorados em outros setores e em outras empresas.
DOIS PONTOS PARA REFLEXÃO:

1º) A maioria das empresas visita empresas do mesmo setor. Portanto, nunca tem a oportunidade de enxergar outros mundos, mais exigentes e mais lucrativos do que o seu.

2º) Um diretor de uma empresa disse para mim por estes dias: “Aqui no nosso negócio, tudo é diferente, Mubarack. Você precisa de uns 10 anos para entender nosso negócio etc.”.
Embora entenda as palavras e a boa vontade deste diretor, sua afirmação é completamente desprovida de verdade. Em primeiro lugar, se são necessários 10 anos para entender um negócio, abandone-o. Só malucos ficam tentando ganhar dinheiro em negócios tão complexos. Em segundo lugar, na gestão, na liderança e na necessidade de altos padrões de desempenho, as empresas são muito parecidas. Qual empresa não tem necessidade de metas, de indicadores de desempenho, de planejamento, de lideranças e de padrões?   

Paulo Ricardo Mubarack