ENTENDA AS RAZÕES DA DECADÊNCIA DA INDÚSTRIA DO CALÇADO E O QUE OUTROS SEGMENTOS PODEM APRENDER COM ISTO
Pesquisei vários artigos e reportagens sobre a situação da indústria do calçado no RS e no Brasil e alguns dados muito interessantes estão descritos a seguir:
I ? A posição da indústria calçadista brasileira em 2016:
O Brasil está entre as 6 primeiras posições no mercado mundial como produtor, consumidor e exportador.
Os polos no RS, SP e CE são os mais fortes.
II ? Características da indústria calçadista sem clara correlação de causas com a decadência dos últimos 25 anos:
1. Valorização da moeda brasileira em relação ao dólar facilitou a importação.
2. Abertura de mercado nos anos 90.
3. O estudo da cadeia produtiva e o mapa do negócio no mundo foram insuficientes.
4. Aconteceu o movimento das fábricas atrás de mão de obra mais barata e incentivos fiscais no Brasil e no mundo. Países como China e Vietnã tornaram-se concorrentes muito fortes.
5. Perdemos espaço para os asiáticos em relação aos principais fatores: custo da mão de obra, incentivos fiscais, disponibilidade de energia, água e outros insumos, disponibilidade de transportes, suprimento de matéria-prima, custo da terra, possibilidade de formação de clusters e serviços públicos.
6. A indústria brasileira é formada por quase 100% de capital nacional.
7. Grande parte das indústrias é de pequeno porte e familiar.
8. Fazem geralmente poucos investimentos em tecnologia e em canais de
comercialização.
9. Trabalhadores com baixo nível de qualificação e salários abaixo da média da indústria.
10. Alta rotatividade.
11. Estados Unidos representam 26 % das importações mundiais.
12. Intensificou-se na última década a concorrência de países asiáticos, como China e Vietnã.
13. Exportações para os USA caíram para 1/3 na primeira década do século XXI.
14. Aumento de produtividade deveria compensar o aumento do custo da mão de obra,fato ainda pouco relevante para várias empresas e especialmente para os sindicatos.
15. Vantagem competitiva dos asiáticos: grandes fábricas com ganhos de escala, moeda desvalorizada em relação ao dólar e produção direcionada para o mercado externo.
16. Nos últimos 10 anos, especialmente no período de 2009 a 2011, houve o
direcionamento da produção brasileira para o mercado interno (86%) devido às
melhorias de renda da população.
17. Para muitos, a perda de mercado externo pelas empresas brasileiras deveu-se à
valorização da moeda, concorrência asiática e aumento dos custos de produção
(materiais, mão de obra, encargos sociais, taxas e impostos).
III - Observe-se em itálico relatos oriundos de jornais e artigos coletados nos últimos 25
anos e como pensamentos ruins geram conclusões erradas:
Pensamento ruim #1:
?Um mar de guarda-pós de orgulhosos sapateiros invadia as ruas das cidades da
região a cada final de expediente nos anos 80. Era o apogeu do setor calçadista nos
Vales do Sinos, Paranhana e Caí. Uma indústria pulsante, composta por potências
como Irmãos Mu?ller e Centenário, em Novo Hamburgo, Strassburger, em Campo Bom,
e pela Starsax, Rio de Luz e a Azaleia dos seus gloriosos tempos em Parobé. Hoje,
parte dessa sólida indústria já não existe mais. O que sobrou do Vale Sapateiro são
muitos prédios vazios e empresários obstinados que lutam para driblar os crescentes
custos de produção e a concorrência desleal de países asiáticos?.
Não existe concorrência desleal. Concorrência é concorrência e ponto final. Nunca se
deve apontar causas externas para os fracassos de uma empresa por um motivo muito
simples: não há controle sobre elas. É preciso apontar para as razões que fragilizam as
empresas quando são atacadas pelos concorrentes ou por qualquer outra causa externa,
não importa de que forma.
Pensamento ruim #2:
?Mas é bom lembrar que não apenas o segmento calçadista está em crise, e sim a economia brasileira como um todo?.
Pensamento horroroso, procura justificar as falhas de uma empresa ou segmento
demonstrando que muitos outros também falharam, fato que não altera em nada a
situação ruim e a incompetência das companhias.
Pensamento ruim #3:
??O que nós fizemos com os italianos nos anos 70, a China vem fazendo com o Brasil
desde a década de 1990, que é nos tirar o mercado de calçados de baixo valor
agregado. A solução é justamente investir em sapatos de maior valor agregado para
vender aos novos ricos chineses do futuro??, observou um antigo diretor-presidente da
Fenac.
Será mesmo? Clayton Christensen, professor muito conhecido da HBS explica como as
grandes indústrias do aço e automobilística nos USA foram vencidas por concorrentes
muito menores pelo mesmo pensamento: ?Vamos produzir algo com maior qualidade?.
Onde está o contrato que obriga chineses e vietnamitas a não produzir produtos de alta
qualidade? Como é possível que um homem de negócios acolha ideia tão rasteira?
Somente o pensamento mágico justificaria este raciocínio completamente equivocado e
repetidamente contrariado pelos fatos.
Pensamento ruim #4:
Outro empecilho é a alta carga tributária, que onera demasiadamente as empresas.
Pensamento verdadeiro, mas quem disse que a indústria brasileira precisa permanecer
no Brasil? Um grande erro do empresário brasileiro é o seu baixo grau de
internacionalização e o desejo de permanecer com sua fabriqueta na cidade onde
nasceu. Uma empresa precisa pensar globalmente desde o primeiro dia da sua fundação.
Pensamento ruim #5:
Empresários como Claudio Strassburger foram participar da política. Mas a sua
ausência acabou coincidindo com a decadência das suas empresas...
Erro grosseiro, ocasionando perda de foco e mistura com gente ruim abundantemente
presente na política.
Pensamento ruim #6:
Quando o governo lançou o lema '?Exportar é a solução'?, me agarrei com unhas e
dentes, afirmou um empresário do ramo calçadista.
Confiar em algo prometido ou iniciado pelo governo é fazer um pacto com o demônio.
Deve-se evitar qualquer projeto sustentado apenas por lemas criados por demagogos.
Pensamento ruim #7:
Se nos anos 70 e 80 o Vale do Sinos era um oásis de crescimento e prosperidade diante
do cenário de hiperinflação enfrentado pelo Brasil, faltou um plano estratégico ? por
parte do governo e do setor ? de longo prazo para ingressar em mercados
internacionais, o que, no entanto, foi feito pela China. '?Quando diversificamos, temos
mais possibilidades e, na hora da crise, há mais movimentos que podem ser feitos'?,
sublinha um ex-executivo da indústria calçadista.
Sempre esperando o planejamento do governo, muitos empresários sucumbiram diante
da leniência da área pública. O governo nunca planejou e nem vai planejar. Esperar algo
do governo é uma atitude tão confortável quanto atrasada.
Pensamento ruim #8:
??Por isso, temos que estar atentos e preparados para quando as chinesas e as indianas
tiverem dinheiro para comprar marcas e produtos melhores??, antecipa outro executivo
do calçado.
Repetindo, desconheço qual é a garantia assinada por chineses, vietnamitas e os outros
asiáticos proibindo-os de produzir sapatos de qualidade.
Pensamento ruim #9:
?Precisamos da proteção do governo para evitar as importações?.
Enquanto as empresas brasileiras esperarem pela proteção do governo, não haverá
exposição suficiente ao mercado internacional e evolução tecnológica de alto padrão.
Pensamento ruim #10:
"Pois o patrão só pensa em lucrar e, quanto mais a empresa ganhar em cima do
trabalhador, para ela, é lucro", afirmou um sindicalista.
O pensamento do sindicato é sempre ignorante na sua essência. A frase tosca do
sindicalista expressa conceitos com duzentos anos de atraso. Sem mais comentários!
Conclusão:
Uma empresa, por menor que seja, deve pensar globalmente desde o primeiro dia da sua
fundação. Uma parcela expressiva dos homens de negócios no Brasil estuda o mercado
internacional e regras básicas do management insuficientemente. A única solução é
reunir capital, pessoas brilhantes e tecnologia, definir metas, elaborar um plano de ação
e executá-lo disciplinadamente.