Como virar o jogo em uma situação crítica?

18/02/2016

Como virar o jogo em uma situação crítica?

Sou contratado para recuperar algumas empresas onde a única pergunta cabível é: como os acionistas e diretores permitiram que a companhia chegasse nesta situação? Entretanto, é possível virar o jogo com muito trabalho. Recuperar uma empresa significa devolver para os acionistas e para o mercado uma organização saudável financeiramente, onde predomina o SIMPLES. Odiamos custos, falsas sofisticações e conversa fiada. Odiamos estruturas pesadas e gente que nada agrega nos resultados. Adoramos lucro e geração de caixa. Gostamos de quem faz e odiamos quem apenas sabe fazer, fala sobre como fazer ou ouviu falar sobre como se faz. Adoramos quem entrega resultados sustentáveis. Jogamos todos os outros para fora da empresa e com eles o desperdício de tempo e dinheiro.



Uma rede de 35 lojas mostrou seus números em nosso primeiro dia de consultoria. Por cláusula contratual de sigilo, seu nome não será revelado, mas o caso é real e trabalhei para recuperar esta empresa durante 12 meses. Situação diagnosticada nas dez primeiras horas de trabalho:

1. Receita líquida nos últimos 24 meses NUNCA atingiu a meta;

2. Custo da mercadoria vendida 3 pontos acima da média do segmento;

3. Custo administrativo 2 pontos acima da média do segmento;

4. EBITDA (geração de caixa) entre 1 a 2 % da receita líquida;

5. Dívida equivalente a 8 vezes a geração de caixa;

6. Perfil da dívida: 76% de curto prazo;

7. Estoque para 8 meses;

8. Relação no balancete entre valor do estoque e pagamento para fornecedores demonstrava que a rede de lojas financiava o fornecedor. O valor do estoque e os pagamentos feitos para os fornecedores cresceram muito nos últimos 12 meses;

9. A comparação entre os recebíveis e as entradas no caixa demonstravam que a empresa também financiava os clientes;

10. A capacidade de investimento era nula;

11. Havia pendências fiscais;

12. O prejuízo estava refletido na dívida. A empresa sobrevivia através de empréstimos bancários;

13. Embora com quase 40 anos, a empresa possuía um demonstrativo de resultados confuso, misturando conceitos de caixa e competência, o balancete não era confiável e não havia fluxo de caixa direto ou indireto;

14. A contabilidade era terceirizada e muito ruim tecnicamente. A empresa estava exposta a vários riscos legais;

15. O centro de distribuição era desorganizado, permitindo fraudes e provocando avarias e vencimento de produtos. O índice real de perdas, incluindo CD e lojas, era desconhecido;

16. Havia imóveis locados sem necessidade;

17. Os aluguéis de algumas lojas foram mal negociados. Estavam ao redor de 10% acima do mercado;

18. Gerentes de loja e balconistas mal treinados;

19. Algumas lojas eram muito feias e sujas;

20. Supervisão de loja sem método;

21. Não havia processos padronizados em nenhum departamento. Controles internos deficientes;

22. Folha muito alta, 20% acima das boas práticas de mercado;

23. Diretoria familiar sem preparo gerencial e com liderança fraca;

24. Concorrência aumentando a pressão;

25. Não havia um padrão claro para os descontos que podiam ser negociados pelos gerentes de loja;

26. Controles precários no recebimento de pagamentos, especialmente cartão de crédito e convênios;

27. Vendas por site absurdamente deficitárias;

28. Sistema informatizado dependia de fornecedor pouco confiável;

29. TI dependia de um gerente que centralizava toda informação;

30. Estratégia inexistente, baixíssima capacidade de planejamento;

31. O orçamento era uma fantasia para a qual ninguém olhava.

32. Havia um conselho de administração com duas atribuições: atrapalhar a operação e gerar despesas desnecessárias.

33. Não havia organograma, o que gerava muita confusão em relação à responsabilidade por resultados e execução de tarefas;

34. Não havia metas pessoais nem para a equipe das lojas.

Explicação para a sobrevivência nos primeiros 40 anos: concorrentes locais muito fracos, quase nenhuma ameaça dos concorrentes nacionais e pagamento a menor de impostos.

A primeira ação tomada foi cortar todas as despesas que nada acrescentavam para a operação. Eliminar a venda pelo site, reduzir pessoal, especialmente na matriz, demitir maus gerentes nas lojas, treinar equipe e refazer o orçamento, reduzindo drasticamente a expectativa falsa pela receita. Isto não significou afrouxar a venda porque metas ousadas foram definidas para as lojas, mas não trabalhar financeiramente com um número falso. A redução da previsão de vendas mostrou claramente para os acionistas o absurdo das despesas. O conselho foi eliminado na tarde do primeiro dia, locações foram canceladas e, após cinco dias, cortamos 5 milhões de custos que pouco ou nada contribuíam para o resultado. A verdadeira receita líquida anual da companhia era de 118 milhões. Credores, especialmente bancos, aceitaram alongar o prazo da dívida, descobrimos furos no recebimento dos pagamentos das operadoras de cartão e em bônus concedidos pelos fornecedores. Todos os projetos supérfluos de TI e Marketing foram cancelados. Investimos o que podíamos nas lojas, o estoque foi reduzido e foram criados controles internos e padrões. Treinamento rápido e direto ao ponto foi ministrado para vendedores, o CD foi otimizado e organizado. Quando cheguei na empresa, formei uma equipe interna com os melhores de cada área. Eles fizeram o trabalho. Passados 36 meses do primeiro dia da consultoria, a empresa aumentou a liquidez, reduziu a dívida para 3,5 o EBITDA, aumentou a geração de caixa para 6,5% e recuperou a capacidade de investimento. No início fechamos 6 lojas, mas a empresa abriu 10 novas lojas nos últimos 12 meses.

Alguns parentes foram demitidos da diretoria e do conselho e o entusiasmo foi recuperado. Conto de fadas? Nada disso, apenas uma trabalheira sem fim, muitos finais de semana ralando 10h por dia e muita dor de cabeça. O resultado foi devolver para os acionistas e para o mercado uma empresa saudável.