Espírito de dono

16/09/2013

Espírito de dono
Erros grosseiros, prejuízos recorrentes e toda sorte de besteiras são feitas nas empresas e destroem o caixa e o patrimônio porque a maioria dos funcionários, mesmo nos níveis mais altos, não sente a DOR DO DONO. Não tem o famoso “espírito de dono”, muito popularizado pelo pessoal da Ambev. Na realidade, um número enorme de presidentes, conselheiros e diretores não liga para o assunto. A prova do que digo? Quais empresas têm realmente ações para desenvolver tal atributo? Quantas empresas efetivamente avaliam o desempenho de seus funcionários tendo “espírito de dono” como um requisito? Quantos empresários relacionam lucros com espírito de dono?

Como fazer para que ao menos alguns funcionários tenham o famoso “espírito de dono”, tão falado pela turma da AmBev? O que significa, na realidade, “espírito de dono”? Quais são exemplos práticos de “espírito de dono”? Sonho de todo empresário, funcionários com “espírito de dono” são raríssimos em qualquer nível de uma organização. Ganha o jogo quem consegue selecionar, desenvolver e reter alguns destes espécimes incomuns. Algumas considerações sobre este importante assunto, aprendidas em três décadas de trabalho:

1. Poucos empresários realmente se importam com o tal espírito. Dizem que querem, mas, na prática, não ligam e não priorizam este assunto.

2. Poucos empresários e executivos de alto escalão participam ativamente da seleção de pessoal de nível médio. Entendem, erradamente, que este não é um assunto para um presidente ou para um diretor. Eles têm coisas mais importantes para fazer do que selecionar gente.

3. No início do texto eu escrevi: “Sonho de todo empresário...” e é exatamente este o problema: sonho que não vira meta e ação não passa de um sonho. E ninguém ganha dinheiro apenas com sonhos.

4. Nas avaliações de desempenho, raramente aparece este requisito. Áreas de RH perdem tempo escrevendo mil bobagens para o que chamam de “competências” e esquecem-se do básico: o cara tem ou não tem “espírito de dono”?

5. Aliás, falando de RH, 99% dos “especialistas” desta área não se importam nem sabem exatamente o que significa “espírito de dono”.

6. Como a iniciativa para priorizar o “espírito de dono” não vem do presidente, dos diretores ou do RH, este atributo vital para formar uma grande empresa não se transforma em cultura, ou seja, comportamento permitido, estimulado e valorizado em uma empresa.

7. No final das contas, o velho e chato discurso afirmando “que o mais importante são as pessoas” continua velho e chato. Velho porque é repetido sem convicção há décadas e chato porque ninguém aguenta mais a dissonância entre a teoria e a prática.

8. Como o “espírito de dono” é fraco ou praticamente inexistente, as pessoas erram em muitos pontos onde um dono de verdade não erraria. Frouxidão em negociações, desperdícios tolerados e entendidos como “normais”, maus tratos para os clientes e ausência de método para gerenciar são alguns exemplos.

9. Já conheci, inclusive, muitos donos (investidores, acionistas de referência etc.) que também não possuíam “espírito de dono”. Já vi donos serem ofendidos covardemente por diretores, bem na minha frente, e não haver qualquer espécie de revolta, indignação ou punição. É impressionante, mas é exatamente o que você leu: donos não têm, às vezes, “espírito de dono”. Não acredita? Então por que, a cada 25 anos, o dinheiro do mundo muda de mãos em 85% dos casos? Alguém não cuidou bem do seu próprio patrimônio.

10. Para finalizar, um exemplo da companhia aérea Azul. Viajo muito por todas as companhias brasileiras e algumas do exterior e observei que, especialmente no Brasil, nossos passageiros são indisciplinados com regras básicas de voo, como celular desligado até o avião abrir as portas, poltrona na posição vertical em pousos e decolagens, cinto sempre afivelado quando o comandante aciona os sinais luminosos etc. Entretanto, na Azul, notei que os passageiros são mais obedientes. Há um respeito maior para com as ordens da tripulação. E são os mesmos perfis de passageiros que voam na TAM, na Gol e na Avianca. O motivo é simples: a tripulação da Azul cuida com muito mais zelo dos procedimentos de segurança do que a tripulação das outras companhias. Falam com o corpo e com a boca. O check é muito mais forte. Os passageiros observam e sabem que a tripulação da Azul tem mais “espírito de dono” do que Tam, Gol etc. E respeitam mais as normas da Azul. Isto acontece em qualquer outra situação de qualquer outra empresa: tudo que tem dono é mais respeitado, inclusive pelos adversários.

Uma pergunta derradeira para presidentes, acionistas, conselheiros e diretores que leem este artigo: na sua empresa existe o indicador de aderência aos valores da organização? Qual é a taxa de aderência do seu pessoal à cultura defendida pela empresa? “Espírito de dono” é um valor da sua empresa? Você mede quantos e quem são os que têm este atributo?

Sei que 95 % das empresas, se forem honestas com as respostas para as questões acima, responderão negativamente a todas elas. Depois, executivos ficam surpresos com erros bobos e perdas no caixa.