Mosca na sopa x abrangência na auditoria

20/04/2015

Mosca na sopa x abrangência na auditoria

Auditorias são realizadas por amostragem, mas a abrangência do reportado pela equipe auditora deve ser praticada pelo bom gerente. Ao invés de revoltar-se com as não conformidades abertas, o gestor deve auditar rigorosamente todo o processo citado. Normalmente, ele descobre falhas que os auditores não enxergaram. Pouco entendida e praticada, a abrangência é um recurso valioso para melhorar a gestão das empresas. [... continua]



Já auditei dezenas de empresas. Contabilizo milhares de horas trabalhando como auditor e sei a dor causada por uma não conformidade em meus clientes. É uma reação perfeitamente compreensível, especialmente na cultura brasileira onde apontar uma falha soa como uma sentença de culpa e não como uma grande oportunidade para resolver um erro e tornar a empresa mais rentável.

Esta cultura, embora inteligível, é perniciosa e precisa ser alterada para formarmos gestores mais produtivos e menos avessos a admitir rupturas em seus processos. Quando um relatório de não conformidade é aberto, a primeira ação do responsável é praticar a ABRANGÊNCIA. Ele deve saber que toda auditoria é feita por amostragem e o auditor pode atirar no que viu e acertar no que não viu. O gerente profissional deve analisar o reportado e realizar uma verdadeira auditoria na sua área, abrangendo todas as partes do processo citado e não apenas focando o ponto relatado pelos auditores. A isto chama-se abrangência: a ação do gestor em descobrir mais falhas em seu trabalho e não identificadas pela auditoria. Ao invés de enxergar o apontamento da falha como um insulto, o gerente deve analisar criticamente todo o seu processo e tirar proveito para melhorar sua área e sua equipe. Não deve perder-se em discussões estéreis com a equipe de auditoria. Se o auditor errou e o gestor também não identificou qualquer erro na abrangência, todos continuaram ganhando.

Um exemplo real aconteceu comigo em abril de 2000. Eu havia iniciado a produção de artigos e escrevi um deles criticando duramente um partido político brasileiro. Três dias após a liberação do texto, recebi um e-mail anônimo com o pseudônimo de “mosca na sopa”! O autor, escondendo-se no anonimato, ofendeu-me com todos os palavrões possíveis e de todas as formas imagináveis. Entretanto, ao invés de rastreá-lo e processá-lo, apenas imprimi a mensagem e a reli uma semana mais tarde. Comecei a riscar todos os insultos e sobrou apenas uma frase interessante: “você é um idiota que escreve frases muito curtas e não utiliza a beleza de nosso idioma!”. Fiquei preocupado e achei correta a observação sobre as frases curtas. Resolvi revisar todo meu estilo de escrever e matriculei-me em um curso ministrado por um antigo redator de um grande jornal de São Paulo. Ele tranquilizou-me quanto às frases curtas, afirmando ser esta uma questão de estilo, mas aprendi sobre uma série de erros, impropriedades gramaticais e de estilo cometidas por mim ao escrever meus textos. Comprei dois livros indicados pelo professor, contratei-o para revisar meus textos durante um ano e aprimorei muito minha forma de escrever. Tudo isto, quem diria, graças ao “mosca na sopa”. Este desafeto, ao insultar-me, criou uma oportunidade imensa para a minha melhoria e isto somente aconteceu porque eu pratiquei a ABRANGÊNCIA. Desprezei ofensas e palavrões e concentrei-me na crítica correta. Na realidade não estava correta, mas descobri vários outros erros não vistos pelo “mosca”, mas que eu vi e corrigi.

Apenas me resta agradecer ao “mosca” e sugerir aos meus leitores, além da calma no momento da não conformidade, a prática vigorosa da ABRANGÊNCIA. No limite, eu afirmaria que a pior auditoria é aquela onde nenhuma não conformidade é aberta. O auditado fica feliz, mas sem a oportunidade de melhorar. Todos perdem.